terça-feira, 26 de abril de 2011

breve antologia da poesia paraibana na zunái

Não há antologia literária que não seja arbitrária. Pensá-la como completamente representativa é desmedido porque nenhuma predileção estética/temática do antologista (leitor/crítico), por mais criteriosa e abarcadora que seja, (pode) dar conta da multiplicidade da expressão poética de nossos dias. Há sempre um excesso que fica de fora e, muitas vezes, descontente.

O problema talvez seja maior quando a antologia é organizada tomando como critério articulador a produção literária em determinada região, cidade etc. Do meu ponto de vista, o "critério regional" impõe ao antologista além do esforço em conhecer com uma profundidade necessária a "produção regional" em sua múltipla expressividade, a disponibilidade de abrir mão de determinada preferência estética que seja demasiado restritiva dessa produção regional, isto, claro, se além do "critério regional", outro critério associado não esteja evidente.

A Revista Zunái, umas das mais importantes na literatura brasileira, traz em seu último número uma breve antologia da poesia paraibana contemporânea, organizada pelo poeta e crítico literário Amador Ribeiro Neto, que tem gerado descontentamentos entre alguns leitores e poetas paraibanos. Os descontentamentos, por sua vez, recaem menos nos nomes selecionados, do que em afirmações de Amador para justificar ter selecionado apenas poetas radicados na cidade de João Pessoa, a capital do estado. Ainda no início do seu texto introdutório à antologia, Amador nos diz
[Não que no interior não haja poesia: há e muita, mas ou é poesia popular (do tipo cordel, que não nos interessa nesta antologia) ou perde-se em formas e fôrmas anacrônicas. Ao menos esta é a impressão que tal poesia tem me causado. Ainda não consegui distinguir um poeta interiorano paraibano que ombreasse com os que aqui vão selecionados.]
Sobre este aspecto escreveu Thiago Fook Braga um comentário no blog de Linaldo Guedes que me parece bastante acertado, identificando 3 problemas fundamentais em algumas afirmações de Amador:
[1) desinformação: a poesia do interior vai além do cordel e do soneto; 2) preconceito: a proposta é de uma antologia da poesia paraibana, e não do verso livre ou da poesia verbovocovisual; logo, faltou argumento convincente para excluir o que se considera poesia popular ou de formas anacrônicas; 3) presunção: a poesia interiorana foi considerada inferior com base em argumento vazio (ser cordelística ou usar formas anacrônicas).]
Apesar desses problemas não questionaria nenhum dos 11 poetas viventes no território paraibano selecionados por Amador para compor uma antologia contemporânea da poesia paraibana. Acredito que na sua seleção conseguiu reunir uma diversidade de expressões estéticas e temáticas com bastante vitalidade na poesia paraibana. Alguns deles são inclusive referências de primeira linha num "diálogo" que muitos poetas locais têm travado para assegurar um bom caminho em seu labor criativo. Por outro lado, como não poderia ser diferente, sinto falta de alguns nomes que me parecem indispensávies, como por exemplo, Astier Basílio e Políbio Alves, para ficar apenas em duas vozes vigorosas em nossa literatura.


Segue abaixo o texto de Amador na íntegra:

BREVE NOTA SOBRE A POESIA PARAIBANA CONTEMPORÂNEA

Amador Ribeiro Neto

Pela diversidade formal e temática, a poesia paraibana contemporânea vai muito bem, obrigado. E esta é uma poesia litorânea, centrada, principalmente, na capital, João Pessoa.

Não que no interior não haja poesia: há e muita, mas ou é poesia popular (do tipo cordel, que não nos interessa nesta antologia) ou perde-se em formas e fôrmas anacrônicas. Ao menos esta é a impressão que tal poesia tem me causado. Ainda não consegui distinguir um poeta interiorano paraibano que ombreasse com os que aqui vão selecionados – todos moradores da capital, ainda que vários nascidos no interior.

E não poderia ser diferente: João Pessoa vive, respira, transpira, agita, move-se ao motor da poesia. São inúmeros os eventos, que mobilizam um bom público, ao redor da produção paraibana contemporânea.

Não me refiro apenas aos saraus não, mas aos debates, depoimentos, apresentações musicais e breves dramatizações que sempre ilustram estas reuniões que podem se dar tanto em bares, restaurantes como em casas de poetas.

Dois poetas, aqui representados, têm tido um papel especial na agitação cultural da cidade: Antonio Mariano e Linaldo Guedes. O primeiro, com a série "Tome poesia" que agora, ampliando o leque de abrangência, intitula-se "Tome poesia, tome prosa". Linaldo Guedes comandou durante bom tempo o "LiterArte", que tinha na música e no teatro os campos mais destacados para a poesia. Susy Lopes, há anos dirige e encena poemas num dos barzinhos mais badalados da cidade. Como ela é atriz, tudo que toca vira teatro. E com ótimos resultados.

Como o leitor verá, a mostra da poesia paraibana contemporânea aqui reunida é um painel de temas e linguagens os mais variados. Há poesia condensada, nominal, parcimoniosa, contida, quase monossilábica. E há a poesia discursiva, derramada, dando asas à oralidade desbragada.

Há um bocado de poesia erótica, sensual, libertina. Este ramo da lírica floresce firme e forte entre nossos poetas. Há a poesia que tematiza, direta ou obliquamente, a realidade sertaneja, tão impregnada no cotidiano de quem vive na praia mas nasceu, ou tem familiares e amigos no sertão e no cariri.

Há a poesia de cunho filosófico, brincando com os delicados e perigosos limites entre poesia e filosofia. Mas saindo-se muito bem desta luta de espadas. E há a metapoesia, centrada no ofício de fazer pensar a própria linguagem poética, como se o mundo fosse invadido pela arte e o espelhamento vida-arte fosse a melhor metáfora para dar conta da vida e da obra.

Há a poesia de intertextualidades literárias, apropriando-se do viés mais (ou menos) conhecido de poetas mais (ou menos) conhecidos. Neste ludismo impera o deleite do dialogismo sacado a quatro paredes (ou mais).

Há a poesia-coisa, marcadamente devedora das várias performances da Poesia Concreta. A folha de papel, objeto que se oferece à dança visual dos versos interrompidos e das palavras-valise justapostas.

Há a poesia de objeto perdido. O desejo configura-se como tema e forma a serem buscados, mesmo sem um eu-lírico definido ou que dê pistas de busca. Assim, o desejo fica adiado. Lê-se esta poesia como um viajante que rastreia uma estrada desconhecida. Mas há também a poesia de cunho jornalístico, direta, franca, quase ríspida de tão transparente. Uma poesia que joga com as molduras da informação clara e da ambiguidade necessária.

Há a poesia que dialoga artistas e códigos de outras artes: cinema, música, teatro, etc. E há a poesia de voz feminina, que embora tenha uma única representante nesta antologia, o faz de forma tão marcante quanto singular. Uma mulher que vê o mundo e o sente como poeta, acima de tudo. Mas uma poeta de saias e olhares sedutoramente irresistíveis. Para questões pessoais, interpessoais e sociais.

Enfim, a poesia paraibana contemporânea não deve nada a ninguém. E, repito, vai muito bem, obrigado. Boa leitura a todos. É isso.

http://www.revistazunai.com/poemas/poesiaparaibanacontemporanea_amador_ribeiro_neto.htm

> poetas selecionados: http://www.revistazunai.com/poemas/index.htm

Um comentário:

Thiago Lia Fook disse...

Prezado Vamberto, nossa concordância é, então, recíproca. Forte abraço!