Livro de cabeceira
Rói as unhas,
os cantos dos dedos
e os nós da mão
até que doer
seja uma forma
de esquecimento.
Lanha-se com
caco de vidro
cada pedaço da pele
para que se auto-revele
a urdidura de cicatrizes,
incunábulo, xilogravura,
esgar de máscara:
a dor como escritura.
DONIZETE GALVÃO
poema recolhido da antologia na virada do século: poesia de invenção no brasil (2002), organizada por Frederico Barbosa e Cláudio Daniel
terça-feira, 2 de setembro de 2008
Poema de Frederico Barbosa
Desexistir
Quando eu desisti
de me matar
já era tarde.
Desexistir
já era um hábito.
Já disparara
a auto-bala:
cobra cega se comendo
como quem cava
a própria vala.
Já me queimara.
Pontes, estradas,
memórias, cartas,
toda saída dinamitada.
Quando eu desisti
não tinha volta.
Passara do ponto,
já não era mais
a hora exata.
FREDERICO BARBOSA
poema do livro Contracorrente (2000)
Quando eu desisti
de me matar
já era tarde.
Desexistir
já era um hábito.
Já disparara
a auto-bala:
cobra cega se comendo
como quem cava
a própria vala.
Já me queimara.
Pontes, estradas,
memórias, cartas,
toda saída dinamitada.
Quando eu desisti
não tinha volta.
Passara do ponto,
já não era mais
a hora exata.
FREDERICO BARBOSA
poema do livro Contracorrente (2000)
quinta-feira, 31 de julho de 2008
POEMA do SEM LUGAR
FETAGEM
as gentes e a cidade
mãe e filho
e ainda mais :
cimento e carne
útero de concreto e cria
num constante devir
engenharia mútua de si
as gentes e a cidade
mãe e filho
e ainda mais :
cimento e carne
útero de concreto e cria
num constante devir
engenharia mútua de si
terça-feira, 10 de junho de 2008
POEMA do SEM LUGAR

livre comércio
atados destinos
contabilidade matéria
sem somar intestinos
segunda-feira, 21 de abril de 2008
trecho de texto de ELENILSON NASCIMENTO sobre o Sem Lugar
"agradou-me a atenção ao quotidiano e ao efêmero, que convive com discretos apelos ao eterno (“Tenho 40 apesar dos 25 às vezes 70”); agradou-me a modulação coloquial (“Sua consciência sã, sua farmácia de Lexotan”) e o fôlego versificatório (“Pro-funda víscera morta”) e os “cacos de vidro andantes”, sabiamente pontuado, sobretudo por parênteses; agradou-me também a permanência de uma estrutura poemática (dissonantes), no entanto submetida a flutuações ou variações que sugerem a do curso dos dias, a escrita alusiva, sintética, sincopada e elíptica e agradou-me, sobretudo, a atitude dominante do poeta Spinelli na sua relação dialogante e orquestrada com as coisas, os homens (e as mulheres).
Este jovem poeta, que desde a publicação de “Des destinado” nos “Poemas Dispersos”, tinha-nos já surpreendido pela qualidade de suas linhas – e, tanto quanto nos lembramos, riscados para este livro, onde há aspectos a ter em linha de conta, pois “era hora de pagar a conta”. Seus poemas vivem de uma contraposição (“Pai sem dedo, mãe sem carne, filho que ninguém sabe”) – instalada no corpo íntimo de cada texto – entre o lado, passe a expressão, mais depuradamente poético (o conjunto de imagens que de imediato associamos a verdadeira e gratificante arte poética – lembre-se do gozo gostoso lá do terceiro parágrafo!) e um tom marcadamente coloquial com ancoragem no quotidiano (sejam lugares ou moradas, conhecidos ou desconhecidos, amigos ou amores, casas ou as suas memórias – “De mim ninguém conhece 1/5”.Mas, de fato, dito de outra maneira, talvez mais escancaradamente esclarecedora: há em Spinelli um constante invocar da memória de pessoas ou coisas que se situa ou no plano do amor ou que enviam para o que figuramos ser a morte (“Eu carne de pescoço, carne e osso e osso e osso”) – adoro esses tipos de poemas.E, diga-se em abono da verdade, sintomático este último excerto: o poema como que se suspende – a sua conclusão fica nas margens (sombras) dos versos ou do que aí podemos desejar ver (“Em todo santo lugar, sou derradeiro estrangeiro: cão clandestino que caga em jardins alheios”). Repare-se: a suspensão do poema é, por um lado, sinal de morte – mas pode ser, também, tão só o desejo de o retomar incessantemente seja pela possibilidade da escrita seja pela memória que aí quisermos instalar. Em suma, Spinelli é mais um dos vários talentos que estão saindo do casulo, tirando os escritos das gavetas e lançando livros. E que seja muito bem-vindo, pois como ele mesmo disse “poeta não tem de ser seda: que seja CRESPO; poeta não tem de ser sensível: que seja VIVO; poeta não tem de ser ancho: que seja SECO".
____________
Elenilson Nascimento é escritor, poeta, professor de literatura e colaborador em diversos sites, publicando críticas e comentários sobre temáticas variadas do cotidiano, comunicação, literatura etc. É baiano de Salvador, onde reside.
+ sobre Elenilson Nascimento em:
+ sobre Elenilson Nascimento em:
http://orebate-elenilsonnascimento.blogspot.com/
lá é possível encontrar o texto sobre o Sem Lugar na íntegra.
lá é possível encontrar o texto sobre o Sem Lugar na íntegra.
sábado, 19 de abril de 2008
poema de RÉGIS BONVICINO
Entre
motores e ruídos
( pio
dissonante
e seco
estilhaço )
o vôo do pássaro
cria
uma nova hipótese
de espaço
in: Régis Bonvicino. Ossos de Borboleta. Editora 34: São Paulo, 1996.
motores e ruídos
( pio
dissonante
e seco
estilhaço )
o vôo do pássaro
cria
uma nova hipótese
de espaço
in: Régis Bonvicino. Ossos de Borboleta. Editora 34: São Paulo, 1996.
sábado, 5 de abril de 2008
poema de LAU SIQUEIRA
COMPOSIÇÃO CASUAL
I
no mármore da mesa
dois livros
um pote de cerâmica
cajus maduros e um
esplendor de orquídea
II
estirando
espinhos para o mundo
um cacto resiste
I
no mármore da mesa
dois livros
um pote de cerâmica
cajus maduros e um
esplendor de orquídea
II
estirando
espinhos para o mundo
um cacto resiste
in: Lau Siqueira, Texto Sentido. Recife: ed. do autor, 2007.
+ http://poesia-sim-poesia.blogspot.com/
sábado, 15 de março de 2008
+ poema do SEM LUGAR
às vezes
tenho vontade
de explosão
: KAMIKAZE
que arde
mas o petardo
diz :
- covarde
não!
tenho vontade
de explosão
: KAMIKAZE
que arde
mas o petardo
diz :
- covarde
não!
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
POEMA do SEM LUGAR
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
POEMA do SEM LUGAR
TEXTURA
todo corpo
é uma super-superfície
lugar-centro-lugar
nada plano
plena pele densa
para se visitar
com calma
em valsa lenta
se safar
todo corpo
é uma super-superfície
lugar-centro-lugar
nada plano
plena pele densa
para se visitar
com calma
em valsa lenta
se safar
POEMA do SEM LUGAR
DESVÃO
todo merecer
de outra boca
ignóbil estopa que
limpa outra
leve tão rouca
sem vão,
um paiol de saliva
sem chão,
ambas:
a língua
todo merecer
de outra boca
ignóbil estopa que
limpa outra
leve tão rouca
sem vão,
um paiol de saliva
sem chão,
ambas:
a língua
sexta-feira, 18 de janeiro de 2008
TEXTO do POETA ANDRÉ RICARDO AGUIAR sobre o SEM LUGAR
UM RIO SÓ MARGEM
Poesia tem seus lugares. Calha de ser no espaço que o poeta elege, mas atenção: esta eleição é uma escolha pelo precário, porque toda linguagem que se eleva a uma exceção toca-se por este signo. O poeta mesmo simula, do lugar nenhum o seu algo precioso: dizer este mesmo precário com a melhor das más intenções. O mau/bem intencionado aqui em questão é Vamberto Spinelli Júnior com o seu Sem lugar, premiado e editado pela Editora Universitária. É uma voz que já começa segura na lírica paraibana, dando-se ao luxo de estabelecer uma pequena obra que dialoga por dentro. Avança como pode, poema a poema. E deixa claro desde a entrada: onde moro ninguém / mora. O índice que usa é a desinência “des”. Lembrando o axiomático “desfazer é melhor que tecer” de Orides Fontela.
Essa consciência da falta perpassa a maior parte dos poemas. O sem lugar da existência também é o estatuto da não-herança, da não-identidade. O que é possível se agarrar a algo está mesmo no desespero calmo, a seco. O tempo que se evapora no sintomático “.casa de vapor”:
ontem morei
100 dias na minha velhice
hoje não me permito
alterar minha infância
nos próximos 30 segundos
O livro trata desse abuso da carência existencial com relativo senso epigramático. Vamberto diz com frases e imagens sem rodeios, quase descarnadas. É óbvio que o projeto soa coerente. Sobretudo nas lições intertextuais em que, mesmo vacilantes em alguns momentos, cria estratégias à beira do excessivo uso, mas ainda valida pelo senso de construção – o que é raro na maior parte das estréias. Nota ironia e o uso do trocadilho (cuidado, parcimônia também é arte!) ao gosto do público. Mas dá o salto e assume:
.para sui e cida
de tanto morrer antes
foice veloz no pescoço
de vez
Na segunda parte, “.existir”, o arco vai da matéria da vida à metalinguagem, dialogando ao deus-dará com temas caros e precedentes. Vamberto se detêm mesmo nesses pequenos temas que, no conjunto, criam uma identidade própria e que com alguma sorte, reage como densidade poética. Algumas construções chamam a novidade sem medo: “e uma maré de pernas / sem bússola”, “o homenageado não veio / / seria deus?”, “poesia: gesto extinto em si”.
Vamberto Spinelli tem muito que dizer. Nota-se por esse doar imagem, por alguma fisgada que tanto oferece o anzol quanto o puxa sem espera por peixe. Os poemas dizem os mesmos temas de sempre, mas, com muita freqüência, o ar parece lavado dentro do livro: há mescla de estratégias construtivistas com inquirições pessoanas, e volta e meia a lírica atinge aquele interrogatório volátil próprio dos que usam a poesia como espelho, mesmo que baço. O livro tem mais qualidades que defeitos e vale dizer: conquista, num terreno avaro de geografias, um lugar. Mesmo que não se possa chamar de chão, mas areia movediça. Buscar, parafraseando Fontela, é melhor que encontrar.
Poesia tem seus lugares. Calha de ser no espaço que o poeta elege, mas atenção: esta eleição é uma escolha pelo precário, porque toda linguagem que se eleva a uma exceção toca-se por este signo. O poeta mesmo simula, do lugar nenhum o seu algo precioso: dizer este mesmo precário com a melhor das más intenções. O mau/bem intencionado aqui em questão é Vamberto Spinelli Júnior com o seu Sem lugar, premiado e editado pela Editora Universitária. É uma voz que já começa segura na lírica paraibana, dando-se ao luxo de estabelecer uma pequena obra que dialoga por dentro. Avança como pode, poema a poema. E deixa claro desde a entrada: onde moro ninguém / mora. O índice que usa é a desinência “des”. Lembrando o axiomático “desfazer é melhor que tecer” de Orides Fontela.
Essa consciência da falta perpassa a maior parte dos poemas. O sem lugar da existência também é o estatuto da não-herança, da não-identidade. O que é possível se agarrar a algo está mesmo no desespero calmo, a seco. O tempo que se evapora no sintomático “.casa de vapor”:
ontem morei
100 dias na minha velhice
hoje não me permito
alterar minha infância
nos próximos 30 segundos
O livro trata desse abuso da carência existencial com relativo senso epigramático. Vamberto diz com frases e imagens sem rodeios, quase descarnadas. É óbvio que o projeto soa coerente. Sobretudo nas lições intertextuais em que, mesmo vacilantes em alguns momentos, cria estratégias à beira do excessivo uso, mas ainda valida pelo senso de construção – o que é raro na maior parte das estréias. Nota ironia e o uso do trocadilho (cuidado, parcimônia também é arte!) ao gosto do público. Mas dá o salto e assume:
.para sui e cida
de tanto morrer antes
foice veloz no pescoço
de vez
Na segunda parte, “.existir”, o arco vai da matéria da vida à metalinguagem, dialogando ao deus-dará com temas caros e precedentes. Vamberto se detêm mesmo nesses pequenos temas que, no conjunto, criam uma identidade própria e que com alguma sorte, reage como densidade poética. Algumas construções chamam a novidade sem medo: “e uma maré de pernas / sem bússola”, “o homenageado não veio / / seria deus?”, “poesia: gesto extinto em si”.
Vamberto Spinelli tem muito que dizer. Nota-se por esse doar imagem, por alguma fisgada que tanto oferece o anzol quanto o puxa sem espera por peixe. Os poemas dizem os mesmos temas de sempre, mas, com muita freqüência, o ar parece lavado dentro do livro: há mescla de estratégias construtivistas com inquirições pessoanas, e volta e meia a lírica atinge aquele interrogatório volátil próprio dos que usam a poesia como espelho, mesmo que baço. O livro tem mais qualidades que defeitos e vale dizer: conquista, num terreno avaro de geografias, um lugar. Mesmo que não se possa chamar de chão, mas areia movediça. Buscar, parafraseando Fontela, é melhor que encontrar.
Este texto foi publicado no Jornal A União, em 21 de dezembro de 2007. Está disponível também em http://andrericardoaguiar.blog.uol.com.br/.
ONDE ENCONTRAR
dados do livro
editora: editora universitária/ufpb
ano: 2007
preço: R$ 10,00
nº. de páginas: 64
formato: 17 x 12
A publicação do livro resulta do Prêmio Novos Autores Paraibanos, versão 2006. Tem apresentação do poeta e jornalista Linaldo Guedes e trabalho gráfico de Mônica Câmara
onde o SEM LUGAR pode ser encontrado:
SEBO CULTURAL
Av. Tabajaras, 848 – Centro
LIVRARIA PREFÁCIO
Shopping Tambiá – Centro
ALMEIDA LIVRARIA
Shopping Sul – Bancários
LIVRARIA PARAIBANA
Campus I – Universidade Federal da Paraíba
em breve (a partir do dia 21 de janeiro) também no stand de Ely na Praça da Alegria, CCHLA, UFPB.
> também com o próprio autor
vspinellij@yahoo.com.br
editora: editora universitária/ufpb
ano: 2007
preço: R$ 10,00
nº. de páginas: 64
formato: 17 x 12
A publicação do livro resulta do Prêmio Novos Autores Paraibanos, versão 2006. Tem apresentação do poeta e jornalista Linaldo Guedes e trabalho gráfico de Mônica Câmara
onde o SEM LUGAR pode ser encontrado:
SEBO CULTURAL
Av. Tabajaras, 848 – Centro
LIVRARIA PREFÁCIO
Shopping Tambiá – Centro
ALMEIDA LIVRARIA
Shopping Sul – Bancários
LIVRARIA PARAIBANA
Campus I – Universidade Federal da Paraíba
em breve (a partir do dia 21 de janeiro) também no stand de Ely na Praça da Alegria, CCHLA, UFPB.
> também com o próprio autor
vspinellij@yahoo.com.br
quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
POEMAS do SEM LUGAR
equipamentos
em termos concretos
possui somente:
sua consciência sã
sua farmácia de lexotan
inda sim
poesia: gesto extinto em si?
verso verbo arma bala?
qual seja
querer ser
poema
fissura
expostas fraturas
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