segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

mercedes sosa em la paz


















Mercedes Sosa foi homenageada no último sábado por um grupo de jovens músicos paceños. Fazia tempo que não assistia a um espetáculo tão comovente. Os amigos mais próximos sabem o quanto “La Negra” é importante no meu acervo afetivo-musical. E ela consegue, como poucos, estar para além deste “reduto” onde tantos outros artistas têm morada. Isto por ter alcançado uma coerência rara entre experiência artística e posição ético-política diante do mundo. Mercedes Sosa me ensinou, como talvez ninguém poderia fazê-lo, a abrir o coração latino-americano, a latinoamericanizar o peito-província, o peito-colonizado, pão nosso de cada dia num país em que, infelizmente, a grande maioria não se deixou ainda abrir-se ao choque de humanidade que resultaria de um estreitamento das nossas relações com os países vizinhos (um estreitamente, é bom que se diga, que não atenda pelo nome de subimperialismo). “La Negra” me deu, através de sua poderosa voz, a rota para encontrar a beleza, quase no limite das suas possibilidades, de um idioma-continente que, imenso, pulsa nas dores, nas lutas, nos sonhos, na solidariedade dos povos latino-americanos, na utopia da Pátria Grande.

Os jovens músicos fizeram da noite de sábado algo para se recordar por muito tempo, não só para mim, mas certamente para todos que ali estavam. Um espetáculo muito perto do perfeito, arriscaria dizer. O palco (luzes, cenário, distribuição dos músicos), o virtuosismo na “guitarra” (violão em espanhol), as vozes poderosas, tudo harmonizava arrebatando o publico a cada música. E entre as músicas se intercalava a presença da própria Mercedes Sosa em áudio, com toda sua generosidade, contando trecho de sua vida, suas preocupações estéticas e políticas, seus amores e desamores. Impossível não se comover quando Mercedes Sosa conta suas dores em ter que se retirar de sua pátria Argentina, a vontade de pôr fim própria vida no exílio, ao ponto de quase chegar às vias de fato numa tarde quando escutava melancólica uma música de seu compatriota Piazzolla. Logo depois, não poderia ser outra a canção a ser cantada, senão “La Cigarra”. Do conjunto, se fosse justo fazer alguma consideração especial, destacaria as belas interpretações de “Todo Cambia” e “Hermano Dame tu Mano”, mas muito mais pelos efeitos que essas canções produzem em mim, do que por qualquer outro critério.

Empunharam suas vozes Melissa Herrera Leon, Mario Ramirez, Mauricio Montero, Christian Benítez e Sérgio Antezana, os três últimos brindaram o espetáculo também seus violões. Todos no palco ao mesmo tempo, acompanhados ainda por Gabo Guzman (arranjo e violão), Marcelo Murillo (percussão e flauta) e Freddy Mandizábal (teclado e acordeom). Revezaram-se na voz, às vezes em solos, às vezes em duetos, às vezes todo junto. A concepção e direção do espetáculo ficou a cargo de Fabian Restivo, uma das figuras mais inquietas viventes no país.

Depois do show, a convite do amigo Fernando Figueroa, tive a oportunidade de participar da festa realizada para os músicos e alguns amigos na casa de Fabian Restivo.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

El Alto entre nuvens

Hoje a cidade de El Alto amanheceu dentro de uma imensa nuvem. Por todo lado, uma brancura fria e molhada a tudo domina. Uma neblina fina cai sem parar. Estamos a 4.000 metros acima do nível do mar, no altiplano boliviano, numa das cidades mais altas do mundo, onde o vento frio serpenteia violentamente pelas ruas e avenidas, sem que se lhe ofereça nenhuma resistência, castigando, cotidianamente, os corpos da gente de origem aymara. O frio quase trava o movimento dos dedos da mão desprotegida. Sair é sempre um precipício, um risco, quando o dia não escapa entre nuvens. Mas a maioria não tem opção, é seguir. Proteger-se como for possível, e tocar a labuta do trabalho informal, do trabalho precarizado da grande maioria da gente que ali habita. É preciso matar o leão do dia, levar o pão para casa. Talvez hoje retornem um pouco mais cedo, talvez não. Eu podia, e desisti deste sábado, voltei para casa, mas antes, comprei um par de meias, água e café. A Pachamama, complacente, parece ter decretado feriado para o descanso dos corpos cansados de seus seguidores, mas eles resistem em não voltar para casa.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

poema inédito em processo


p/Chá
saudade não é literatura,
palavra que não cabe em palavra

um continente desolado
que se guarda sem querer

é perder-se
em meio à multidão implacável
que resiste indiferente

como se o oxigênio fosse
silicio e silêncio

***

mas há uma memória-antídoto, e um outro sítio,
onde animais correm alegrias reais,
e onde se vê um wawa,
inteiro em sua compostura frágil de gente,
carregando um pequeno sorriso do tamanho do sol,

e é nosso; será

a fibra mais densa,
a utopia permanente de felicidade

a casa concluída,
finalmente
.
.
.
..
*a pintura é de Ivan Guayasamín

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

poema do sem lugar

quando se porta


eco
assusta
dentro

quando a
porta aberta
dá para
o silêncio



o poema é do Sem Lugar (2007) e a foto foi tirada em Sucre, "La Ciudad Blanca", quando estive por lá com Chá em dezembro último.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

estação bolívia: atajo


Finalmente sexta-feira passada fui a um show da banda ATAJO. O som boliviano que mais escuto em meu mp3. Já tinha visto uma brevíssima apresentação, umas 4 músicas, num ato político em comemoração aos 12 anos da Revolução Bolivariana aqui em La Paz, ato organizado pela Embaixada da Venezuela. Foi pouco. Agora sim foi uma apresentação completa. Tive a oportunidade inclusive de conversar rapidamente com Pachi Maldonado, o vocalista da banda, por intermédio de amigos em comum. Contou que esteve com Cordel de Fogo Encantado quando se apresentou na região Norte do Brasil, se não me engano em Rio Branco, no Acre.

Com quase 15 anos de existência, ATAJO é uma das bandas mais queridas por quem aprecia rock aqui na Bolívia. Porém, embora o rock seja a referência mais relevante, não é a única. A banda incorpora várias outras referências musicais, como o reggae, que vem despontando em seus últimos trabalhos. Mas o que lhe confere uma identidade sonora destacada é a preocupação em incorporar e articular, a essas referências musicais mais universais, elementos musicais do mundo andino e principalmente boliviano -mas também de outras partes-, com um profundo comprometimento ético-político com grupos subalternos do país andino. É um som que busca refletir sobre temas prementes na história recente da Bolívia, com forte conteúdo denunciativo. Músicas como “Ay Mamita”, que aborda o Massacre de Outubro na conhecida Guerra do Gás, em El Alto e La Paz; “Que la DEA no Vea” sobre a intervenção estadunidense associada ao programa Coca Cero, e “El Reggae de los Lustra Botas”, que aborda o cotidiano dos engraxates nas ruas de La Paz, são alguns dos bons exemplo desta veia política presente em ATAJO. E como uma preocupação em articular elementos musicais locais, talvez o exemplo mais interessante seja “Morenada al Corazón”. Volto noutro momento à banda.

Por agora que seja um convite a escutar ATAJO!

Sítio da banda:
http://www.atajo.org/
lá dá pra baixa um cd grátis.

MySpace:
http://www.myspace.com/atajo

Há ainda muita coisa no youtube.

sem título ainda (inédito em processo)



poema é modalidade de combate
(bate)

quando interessa o estômago o intestino o enfarte

na mira o inimigo mercantil

nossa indústria: homem bomba poema
explosivo
poema fuzil


2010
DO PROJETO TEMPO GRAVE

linguaraz, de pedro américo de faria














Tudo ao mesmo tempo agora! Poeta penambucano Pedro Américo de Faria alcança, com Linguaraz, um efeito musical-poético nordestinamente irresistível, com a língua elétrica e raivosa!

Não deixe de conferir!
(p/escutar)

ou no Portal PE Nação Cultural:
http://nacaocultural.pe.gov.br/linguaraz-pedro-americo-de-farias
(p/escutar e baixar)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

estação bolívia: germán monje/juan pablo piñero


HOSPITAL OBRERO (2009), dirigido por Germán Monje com roteiro de Juan Pablo Piñero, é um daqueles filmes que, apesar de um roteiro aparentemente simples (e talvez por isso mesmo), alcançam uma via direta aos territórios mais sensíveis de um povo, de uma cidade; sem abrir mão, por sua vez, de uma comunicação universal imediata, pelo tema que põe em relevo, isto é: a amizade, a solidariedade, a esperança em contexto de abandono, de fragilidade.

Para o jornalista Ricardo Bajo se trata de um “filme tremendamente paceño e orgulhosamente boliviano”. Filmado em branco e preto e com uma excelente fotografia, “poucas vezes La Paz havia sido captada de semelhante maneira com seu magnetismo melancólico e alegre”. A trilha sonora, por sua vez, acompanha, com sintonia fina, o compasso dos dramas e das pequenas e grandes alegrias vividas pelos personagens. É um filme que guardo no meu acervo afetivo. Assisti há um bom tempo na Cinematece Boliviana, logo que cheguei a La Paz. Quis recuperá-lo agora porque uma conversa recente me remeteu a ele.

Narra a história de amizade que se desenvolve entre 6 homens maduros numa enfermaria do famoso Hospital Obrero, casa de saúde realmente existente e mais popular da cidade de La Paz, localizada no bairro de Miraflores.

Os personagens principais, construídos com traços muito peculiares que remetem a pessoas comuns que circulam cotidianamente pelos recantos mais populares da cidade de La Paz, são: o professor Aguilera, um velho treinador e ex-jogador de futebol acometido por um câncer avançado; o gordo Foronda, diabético e apreciador de poesia; Waldo Paco, funcionário público aposentado, enfermo e abandonado pela esposa; Gregorio, um camponês aymara que sofre um grave acidente na região dos Yungas, e busca complementar seu tratamento com uso de plantas medicinais; Carmelo Suarez, um beniano (natural do Departamento de Beni) que vive um conflito familiar com uma filha que é funcionária no hospital e, finalmente, Pedro Dionísio Murillo, um velho boêmio bem vivido de Villa Armonía. Todos os atores que interpretaram estes personagens são amadores, dois taxistas, um professor de artes plásticas e dois aposentados.

Pedro Murillo se interna de emergência e na enfermaria vai se torna o líder dos outros peculiares personagens. Num contexto de enfermidades, desamparo, solidão e recordações que povoam as cabeças dos pacientes daquela enfermaria, cresce um forte sentimento de amizade. Os personagens passam a compartilhar sentimento de perda, a possibilidade da morte, rejeição e esperança. A enfermaria de um imenso hospital, onde dia a dia centenas de pessoas estão lançadas à própria sorte, torna-se um lugar de humanidade transbordante, onde pequenos trambiques para contornar as restrições médicas são necessários para um último trago, para uma última dança.

Ricardo Bajo me parece captar bem a homenagem que a película faz ao povo boliviano e, sobretudo, paceño. De acordo com Bajo, o filme fala do que “uno conoce y siente, toca la fibra y el sentimiento de todo el país. (…) Y el mérito corresponde, en gran parte, al guión acertado de Juan Pablo Piñeiro, parido a seis manos junto al director Germán Monje y Miki Valverde. El amor por lo lindo del fútbol y los dos grandes de La Paz, Bolívar y The Strongest (…), la pasión por la mo
renada [música folclórica boliviana que remete às festas de carnaval], el cariño por los característicos micros paceños [velhos Dogdes coloridos, com mais de 50 anos, que circulam por algumas cidades bolivianas cumprindo a função de transporte público] y sus cuestas de ida y vuelta, el trago confraternizador, su particular humor, la fiesta, el preste... todo el mundo propio de Piñeiro (destilado en su novela Cuando Sara Chura despierte), tan paceño como universal, se filtra a lo largo del metraje, acompañado por un sonido impecable (Sergio Medina) y una banda sonora contagiosa y que se queda en el disco duro de la memoria durante horas, obra de la banda de rock Reverso, liderizada por el también actor Christian Mercado.”

cena paceña



de volta pra casa depois de um dia de trabalho em El Alto, um flagra irresistível, uma cholita levando seu wawa atento à confusão do trânsito e se equilibrando no aguayo colorido.

desde terras paraibanas

II ENCONTRO DE LITERATURA CONTEMPORÂNEA
“ENTRE ESCRITORES E EDITORES: A TRAJETÓRIA DOS LIVROS”

Campina Grande-Paraíba
Data: 06 e 07 de Março
Horários: das 9 ás 12 horas/ das 14 horas ás 18 horas
Local: Centro de Educação (CEDUC II)

Convidados presentes nas mesas e palestras:

André de Sena, Efigênio Moura, Helder Pinheiro, Jairo César, Lau Siqueira, Mabel Amorim, Magno Nicolau, Mirtes Waleska, Rinaldo de Fernandes, Roberto Menezes, Ronaldo Monte, Thiago Lia Fook e Vitória Lima.

Apoio:
Núcleo Literário Blecaute
XX Encontro da Nova Consciência

Programação completa em:
http://acasocaos.blogspot.com/2011/02/ii-encontro-de-literatura-contemporanea.html

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

estação bolívia: victor hugo viscarra


Nací viejo.
Mi vida ha sido un tránsito brusco de la niñez a la vejez, sin términos medios.
No tuve tiempo para ser niño. Hay una pelota nuevita, guardada en algún rincón de mis recuerdos. Lo más lógico ha de ser que yo sea un verdadero niño cuando me llegue la vejez. Para ella, es cierto, uno tiene tiempo de sobra. Presumo que ha de ser a los cuarenta y nueve años, pues si llego a los cincuenta me suicido. Nacionalizo una pistola y me pego un tiro.

São as primeiras palavras de Victor Hugo Viscarra em seu livro Borracho Estaba, pero me Acuerdo. Victor Hugo não chegou aos 50, morreu aos 49 anos, e não se matou. Morreu em conseqüência de uma cirrose que lhe acompanhava havia tempo. Foi sem dúvida um dos escritores bolivianos mais interessantes, embora sua recepção ainda seja reduzida a círculos restritos, mesmo sendo amplamente encontrado em pequenas barracas que vendem livros pelas ruas de La Paz, em edições baratas. Passou 30 dos seus 48 anos vivendo nas ruas de La Paz onde recolheu toda inspiração para seus textos. Escreveu contos, crônicas e relatos biográficos, todos desde às margens, desde o submundo da iluminada cidade de La Paz, abordando com um realismo cru o universo degradado de quem vive nas ruas o infortúnio de ter que lidar com o frio paceño de noites ao relento, com o perambular cotidiano sem um centavo no bolso, com toda violência e degradação de quem só encontra refugio no álcool e no tinner, e em pequenos golpes diários para levar o dia seguinte...
Postarei mais sobre Victor Hugo. Abaixo, do mesmo livro citado, deixo um outro trecho, onde em forma de relato biográfico (?) ele descreve sua entrada definitiva no submundo paceño, quando já não havia volta.

Mi primera noche en la calle la pasé caminando entre el callejón y las calles adyacentes, tratando de dormir acurrucado en el portal de la casa de un curita, nuestro vecino. No recuerdo qué hice al día siguiente. Como para entonces los que ocupaban el morro de tierra del callejón habían muerto, la segunda noche me animé a ir más allá de la avenida Buenos Aires y Max Paredes. Lo que iba conociendo a medida que caminaba por la zona, no había visto ni en mis más terribles pesadillas; me impresionó de tal manera, que tuve miedo de enloquecer.

bons ventos em terras paraibanas


Duas iniciativas bastante interessantes tomam corpo na Paraíba neste início de ano. Iniciativas que favorecerão a abertura de espaços e processos de articulação entre pessoas envolvidas na produção artístico-cultural no Estado, e uma divulgação mais ampla de eventos e de obras, fortalecendo a produção local. Uma, consiste na criação do blog Artistas PB pelo poeta Lau Siqueira, que justificou a iniciativa da seguinte maneira em seu blog:


Recentemente, em conversa informal com os amigos Milton Dornellas, Pedro Osmar, Déa Limeira e Fernanda Svendsen, concordamos que alguns assuntos culturais não chamam a atenção da mídia e a divulgação fica bastante restrita. Com o objetivo de ‘quebrar o gelo’ criei o blog ARTISTAS PB para dar visibilidade para algumas atividades que não interessam muito aos jornais e TVs. Para minha surpresa, em menos de 48 horas o blog já contava com mais de 400 visitas, a grande maioria aqui mesmo da Paraíba. Espero que possamos cumprir um belo destino com o blog ARTISTAS PB.”

O grupo, articulado em torno do blog, apresenta-se como um grupo de militantes da cultura, residente na Paraíba, interessado “em promover as diversas ações culturais que acontecem no Estado ou que se refiram a artistas ou promotores culturais da terra de Augusto dos Anjos. O que não aparece na mídia você poderá encontrar aqui. Seja parceiro ou parceira desta idéia.” (www.artistaspb.blogspot.com)

A outra iniciativa está focada mais especificamente na produção literária, e consiste na criação do grupo Caixa Baixa. O grupo surgiu por iniciativa dos escritores Roberto Menezes, Jairo César e Bruno Gaudêncio e “pretende ser um círculo intelectual que visa criar um espaço privilegiado de trocas de experiências entre escritores, permitindo assim uma maior integração através da produção de eventos, publicações em sites, revistas e antologias, bem como permitindo a divulgação de informações atualizadas sobre o universo literário em geral, notadamente no estado da Paraíba.” Diz informe difundido.

Se o blog Artista PB surge a partir da percepção de um conjunto de artistas radicados na Paraíba, de que a mídia local limita a divulgação de eventos e obras, com uma postura seletiva criticável que prejudica a produção local; o grupo Caixa Baixa surge, da mesma forma, de uma percepção crítica de existência de limites que são impostos à divulgação/produção/publicação de obras no campo literário paraibano, principalmente ao escritores que estão iniciando suas incursões neste campo. O nome do grupo, de acordo com seus organizadores, resulta exatamente desta característica, dizem: “a nomenclatura, originalmente retirada da terminologia tipográfica, brinca com os 'lugares de marginalidade' ocupados pelos escritores em início de carreira dentro do 'campo literário local'”.

Trincheiras abertas!
Sorte imensa, vida longa, ânimo redobrado, é o que desejo às iniciativas!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

estação bolívia: oscar cerruto


Oscar Cerruto é um poeta fascinante. Nasceu em La Paz em 1912 e morreu na mesma cidade em 1981. Além de poemas escreveu uma novela e um livro de conto. Exerceu atividades como jornalista e como diplomata. Na literatura boliviana é considerado um das figuras mais importantes da segunda metade do século XX. Sua obra é marcada por um extremo rigor no manejo de linguagem poética e também por uma inquebrantável consciência crítica de seu tempo. Cerruto era um homem de esquerda. Volto a ele outras vezes. Estou lendo seu primeiro livro Cifra de la Rosas y Siete Cantares, de 1957, cujo subtítulo é “divertimiento para la infancia de Madeleine”.

Sobre este livro comenta Mónica Velásquez Guzmán :
El primer libro, Cifra de la Rosas y Siete Cantares, [Cerruto] oscila entre el juego y el legado que un yo padre hereda a su hija. Ya desde entonces se perciben la preocupación por una transparencia en el lenguaje y la consciencia de que uno nace a un mundo dado al cual puede cambiar en la medida que halle luz y palabras, es decir en la medida que halle fe. En esta relación, el padre trae el mundo de las palabras y los papeles, la hija trae el hacer y el nombrar con que puede modificar el mundo en un lugar más habitable y amoroso.

CANTAR

Si vas por los limoneros,
detrás irá mi amor.

Cruzarás la cordillera,
yo en pos.

Y al pasar los cafetales,
mi voz.

Y sabrás que verde verde
limón

Que se desangra en la rama
soy yo.



CANTAR

Mi patria tiene montañas,
no mar.

Olas de trigo y trigales,
no mar.

Espuma azul los pinares,
no mar.

Cielos de esmalte fundido,
no mar.

Y el coro ronco del viento
sin mar.



CERRUTO, Oscar. Obra Poética. Recopilación, introducción y notas de Mónica Velásquez Guzmán. Editorial Plural: La Paz, 2007.