domingo, 31 de janeiro de 2010

Montevideo por BENEDETTI


"Mesmo que eu viajasse, que me fosse daqui e tivesse a oportunidade de me surpreender com paisagens, monumentos, caminhos, obras de arte, nada me fascinaria mais do que as Pessoas, como ver as Pessoas passar e esquadrinhar seus rostos, reconhecer aqui e acolá gestos de felicidade e amargura, ver como se lançam a seus destinos, em insaciada turbulência, com esplêndido apuro, e me dar conta de como avançam, inconscientes de sua brevidade, de sua insignificância, de suas vidas sem reservas, sem se sentirem jamais encurraladas, sem admitirem que estão encurraladas"
"Estive um bom tempo contemplando a alma agressivamente sólida do Cabildo, o rosto hipocritamente lavado da Catedral, o desalentado balançar das árvores. Creio que nesse momento se afirmou definitivamente uma convicção de natureza íntima: sou deste lugar, desta cidade. Nisto (é provável que em nada mais) acredito ser um fatalista. Cada um é de um só lugar na terra e ali deve pagar sua cota. Eu sou daqui. Aqui pago a minha cota. Esse que passa (de sobretudo longo, orelhas de abano, rengueando), esse é meu semelhante. Ainda ignora que eu existo, mas um dia me verá de frente, de perfil ou de costas, e terá a sensação de que entre nós há algo secreto, um recôndito laço que nos une, que nos dar força para nos entendermos. Ou talvez não chegue esse dia, talvez ele nunca preste atenção a esta praça, a esse ar que nos torna próximos, que nos emparelha, que nos liga. Mas não importa, de qualquer maneira, é meu semelhante”

MARIO BENEDETTI
A Trégua

a fotografia é minha e foi tirada na feria Tristán Navarja, Montevideo. Era um domingo ensolarado.

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